terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

E sonhar é assim... (continuação)

- A terra do quê?! Não, nada disso… Eu sou do Montijo. Nem conheço essa terra… Já agora, que terra tão bonita é esta?


(Continua...)

- Hum, já vi que és nova por estes lados. Estás na Terra da Perfeição. Bem-vinda! – Disse o duende.

Ao ouvir tal coisa pensei que estava na terra dos loucos, mas decidi entrar no jogo, talvez aquela espécie de anão me pudesse indicar o caminho para casa.

- Mas a perfeição não existe. Fala-me um pouco do teu mundo. – Disse eu.

- No teu mundo acredito que não haja, mas aqui a perfeição é o prato do dia. Em vez de te explicar, sugiro-te que explores e tires as tuas próprias conclusões. – Disse ele.

Hesitei, porque o que queria mesmo era regressar a casa mas não tinha outra hipótese, pois sozinha não ia a nenhum lado.

- Espera, com toda esta conversa nem me apresentei a mim nem ao meu grupo de amigos. – Disse o duende quando eu já me tinha afastado.

- Pois, eu também não. Sou a Telma, prazer. – Respondi eu.

- E o teu nome qual é? – Perguntou o duende curioso.

- Acabei de o dizer, Telma. – Respondi eu, confusa.

- Não, não. Aqui, isso é o apelido. O nome é algo mais pessoal que fortalece a amizade e ajuda a torná-la perfeita. Como é que os teus amigos te chamam? – Explicou ele.

- Ah, a alcunha. Chamam-me Telminha ou então Dé. – Respondi.

- Gosto de Dé. Eu sou o Big Brother, encarrego-me de orientar toda a aldeia. – Apresentou-se o duende.

- Aquele que vês a trepar uma árvore é o Gorducho, em busca de fruta. Estás a ver aquele arbusto destroçado? De certeza que foi o Arrastão que o mandou ao chão, é um pouco trapalhão mas muito divertido.
“Aquela que está a dormir a sesta à sombrinha é a Pipos, porque quando era pequena caiu e espetou dois pregos por baixo do lábio mas até lhe ficam bem! É aquela amiga que tanto podes desabafar como rir à gargalhada.”
“Também te apresento o Fininho, que é tão magro que mal o vês ao longe. Tem piada, mas anda sempre na lua e acelerado.”
“Por fim, a gota de esgoto. Tem alguns problemas com a água e com a limpeza mas é a melhor amiga que podes ter.”
“Se tiveres alguma dúvida já sabes, podes contar com qualquer um de nós. Diverte-te. – Disse o duende e afastou-se.

Os habitantes ofereceram-me o maior cogumelo que tinham para que eu me instalasse e mesmo assim dormi com os pés fora de casa.

No dia seguinte, comi uma fruta muito suculenta e acompanhei os duendes para entender a sua forma de vida.

A primeira coisa que reparei foi na serenidade e na paz existentes naquele local.

- Arrastão, aqui não existe guerra? – Perguntei eu.

Tropeçando numa pedra e baloiçando até mim respondeu:
- Não. Aqui a coisa mais agitada sou eu mesmo. Conseguimos sempre entrar em acordo evitando assim os conflitos.

Uau! Pensei eu. Um mundo sem guerra…seria fantástico. Seria perfeito.

Ao observar todas as crianças, notei que faziam tudo o que queriam sem qualquer impedimento. Deduzi que naquela aldeia, a liberdade era para todos.

Durante o meu passeio, reparei num casal aos beijinhos e lembrei-me de perguntar a alguém como seria o amor na Terra da Perfeição.

- Fininho, como é que vocês conquistam os vossos grandes amores? – Perguntei eu ao Fininho que quase que não se apercebeu que a pergunta seria para ele.

- Hum, isso é para mim? Conquistar? Nem sei o que isso é. (risadas) Aqui os amores acontecem duma forma muito simples. Nós, os rapazes, olhamos para as miúdas, quando vemos uma que gostamos dizemos “Gosto de ti!” e pronto, apaixonamo-nos instantaneamente e para todo o sempre. – Disse ele.

- Ah! Muito simples, de facto. Então e tu? Ainda não te vi com ninguém. – Disse eu curiosa.

- Oh isso é porque sou o galã cá da terra, gosto de muitas ao mesmo tempo e nenhuma me resiste. – Gabou-se ele.

Não acreditei muito no que ele disse, até porque observei um grupo de raparigas a gozar com ele pela sua estatura física. Mas deixei-o viver na sua ilusão, era feliz assim.

Quando pus a mão no bolso lembrei-me que não tinha nada comigo e a fome já apertava. Precisava de saber como iria arranjar dinheiro para comprar comida.

Avistei a Gota de Esgoto e decidi falar com ela, mas afastada uns bons metros de distância.

- Olá Gota de Esgoto, tenho uma dúvida. Como compro comida aqui? Não tenho dinheiro. – Perguntei eu quase a gritar.

- Não tens o quê? Não interessa… A parte da comida é com o Gorducho. Nós cá dividimos as tarefas por todos, trabalhamos para todos e desfrutamos todos. – Respondeu ela.

- Ah, já percebi. Obrigada, vou ter com o Gorducho. – Disse eu enquanto me afastei.
Depois de comer uma salada de fruta deliciosa feita pelo Gorducho, pus me a pensar em tudo o que tinha visto.

Na verdade, tudo naquele mundo era simples.

Existia paz e liberdade e não havia sofrimento no amor. O dinheiro não era problema para ninguém e não havia fome.

Estava quase a render-me e dizer que realmente aquele mundo era perfeito quando me apercebi que faltavam coisas importantes para a perfeição.

Onde estava o sabor da conquista? A luta?

Aqueles habitantes tinham Paz, mas nunca fizeram nada por tê-la e se não havia guerra, não se desentendiam, não tinham ideias próprias de uma personalidade forte, não tinham interesses.

Adorei ver as crianças libertas e a liberdade sempre foi das coisas mais importantes para mim. Mas, pensando bem, porque é assim tão importante? Porque é preciso luta e sacrifício para a conquistar pouco a pouco. Naquele povo, as crianças já nascem com toda a liberdade, então a que lhes saberá aquela aquisição? A nada, porque nunca souberam o que é não a ter.

E o amor, um sentimento tão bonito e tão pouco valorizado naquela terra. Onde está o interesse de amar alguém que não conquistámos? E o amor sem uma única lágrima será amor?

Cheguei à conclusão que se ficasse mais uma semana naquela terra e ia-me fartar.

Aquelas pessoas não lutavam pela vida, não tinham objectivos e, senão passavam dificuldades, não ganhavam experiência de vida.

- Big Brother, decidi voltar para a Terra dos Pensadores do Seu Próprio Umbigo. – Disse eu determinada.

- Mas na tua terra existem tantos problemas, podes cá ficar. – Respondeu Big Brother.

- Os problemas e os obstáculos da minha terra dão-me gosto de viver. Como volto para lá? – Perguntei eu ansiosa.

- Admiro a tua coragem. Um dos meus amigos te levará de volta. – Disse Big Brother.

- Eu posso levá-la! – Respondeu logo o Fininho.

- Não! É melhor não. – Responderam todos em coro pois sabiam que o mais provável seria perdermo-nos os dois.

- Eu posso ir, ainda não a conheço. – Disse a Pipos sorrindo.

- Então o Gorducho prepara-vos alguns alimentos para a viagem e podem partir.

A caminhada foi longa, durou toda a noite, mas como conversámos todo o caminho não foi cansativa.

- Pronto, chegamos. – Disse a Pipos.

- Mas isto… é um penhasco! – Disse eu assustada.

- Sim, tens que saltar. Não te preocupes, não te vais magoar. – Disse Pipos pondo-me a mão no ombro.

- Hum, não sei. É muito alto. – Disse eu tremendo.

- Vá, coragem. Confia em mim. – Respondeu ela confiante.

Despedimo-nos com um abraço e ao respirar fundo saltei. Senti uma liberdade imensa, algo que aqueles habitantes nunca irão sentir.

Quando abri os olhos, estava de volta à paragem de autocarros e o Mp4 que tinha na mão já não tinha bateria. Tinha perdido o autocarro, restava-me mais uma hora de espera pelo próximo. Enfim, de volta ao meu mundo.

Estava frio, pus as mãos nos bolsos. Tinha, num deles, um guizo colorido. Pensei para mim: Sim, a perfeição é bonita de se viver, mas somente num sonho.


… E sonhar é assim…